sexta-feira, 7 de setembro de 2007

PAZ NA GUERRA, PAZ NA TERRA


Por Georgia Rohde


"Aquele foi um dia de paz na guerra; é uma pena que não tenha sido a paz definitiva”.
Um soldado alemão.

Chega o mês de dezembro de 1914 para os milhões de soldados de diversas nacionalidades nas trincheiras européias. A noite de Natal se aproxima trazendo nessa passagem natalina um sentimento cruel e irônico de tristeza e saudade. Longe das suas famílias e dos seus lares. Longe das pessoas amadas, dos filhos e das esposas. Aquele dia 24 do último mês do ano deveria ser de profunda consternação. O primeiro natal da Guerra será passado a frio e com as botas mergulhadas na humidade das trincheiras.
As tropas inglesas, nas suas trincheiras entre a cidade francesa de Ypres e o canal de La Basseel, ouvem, do outro lado da Terra de Ninguém, que separava as trincheiras inimigas, cânticos de Natal. Em particular ouvem Still Nacht. A melodia é a mesma que Silet Night mas cantada em alemão ( em português é noite de paz). Os ingleses começam a cantar a versão em inglês e pôde-se ouvir o canto natalino germano-britânico.
As tropas aliadas, com medo, espreitam por cima dos sacos de areia, para além da Terra de Ninguém. Quão grande foi a surpresa do que avistaram: do outro lado havia pinheiros adornados com velas. Os alemães as tinham enfeitado. O costume de adornar as árvores de Natal com luzes, em particular os pinheiros, comuns na América do Norte, é de origem alemã, as chamadas Tannenbaum (plural: Tannenbäume). Foi o Príncipe Alberto (1819-1861), primo e marido da Rainha Vitória, que levou o costume para a Inglaterra.
Maior foi a perplexidade quando avistaram soldados alemães, desarmados, saírem de suas trincheiras com as Tannenbäume nas mãos e dirigirem-se, desarmados, para as trincheiras inglesas. O espírito de natal disseminou-se rapidamente e os ingleses saem das suas trincheiras para acolherem os alemães, mesmo com o olhar desconfiado de muitos dos oficiais. Presentes são trocados, histórias e anedotas são contadas, fotografias de parentes mostradas. Em conjunto dirigem-se à Terra de Ninguém e ambos os exércitos escavam covas para enterrarem os corpos que ali jaziam: ingleses ajudando alemães e alemães ajudando ingleses.
Os dois lados apercebem-se que o seu inimigo está tão miserável como eles próprios, ambos sofrendo com o frio, com a saudade de casa. O inimigo já não é tão inimigo, são todos apenas jovens, combatendo por ordem de generais a quilômetros de distância. As tréguas e a confraternização duraram dias. Um jogo de futebol foi organizado a primeiro de janeiro. Uma bola de futebol foi trazida das trincheiras inglesas e esses jogaram com os alemães.
Entretanto, os oficiais de ambos os lados tiveram conhecimento destas tréguas espontâneas e imediatamente ordenaram que terminassem. Inevitavelmente, houve muitos pedidos de cessar-fogo por parte dos soldados envolvidos na Trégua de 1914. Franceses e Belgas também participaram desse armistício temporário noutros pontos da frente, mas limitadamente. Afinal ambos os países – parte da França e a totalidade da Bélgica – estavam sobre ocupação alemã.
Um oficial inglês, mais preocupado com seu papel militar, disparou sobre um soldado alemão. As tréguas terminaram. Noutros pontos da frente há registros de trocas amistosas de cumprimentos, tiros disparados para o ar e recomeço dos combates.
A reação foi tamanha que precauções especiais foram tomadas durante os Natais de 1915, 1916 e 1917. Os eventos do final de Dezembro de 1914 nunca mais foram repetidos.
A 22 de novembro de 2005, morreu, com 109 anos, o último soldado sobrevivente que participou na Trégua de Natal de 1914. Alfred Anderson tinha dezoito anos quando estava nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial e participou nas trocas de presentes entre ingleses e alemães.
O Cabo John Ferguson contou como a trégua foi conduzida no seu setor: "Nós apertamos as mãos, desejando Feliz Natal e logo estávamos conversando como se nos conhecêssemos há vários anos. Nós estávamos em frente às suas cercas de arame e rodeados de alemães – Fritz e eu no centro, conversando e ele, ocasionalmente traduzindo para seus amigos o que eu estava dizendo. Nós permanecemos dentro do círculo como oradores de rua. Logo, a maioria da nossa companhia (Companhia ‘A’), ouvindo que eu e alguns outros havíamos ido, nos seguiu. Que visão – pequenos grupos de alemães e ingleses juntos na nossa frente! Quando eles não podiam falar a língua, eles tentavam se fazer entender através de gestos e todos pareciam se entender muito bem. Nós estávamos rindo e conversando com homens que só umas poucas horas antes estávamos tentando matar!"

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